domingo, 12 de agosto de 2012

TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO (1957), de BILLY WILDER - 01.08.2012

Um advogado criminalista, famoso por suas defesas em casos impossíveis - Sir Wilfrid Robarts (o ótimo Charles Laughton) - se recupera de um princípio de infarto e tem recomendações médicas para não mais voltar às lides criminais, restringindo-se às causas cíveis.
É quando Leonard Vole (Tyrone Power) é trazido ao seu escritório por Mayhew, pois suspeito da morte de uma senhora com certa posição social. Embora Wilfrid em princípio apenas ouça as alegações de Vole para formar seu convencimento sobre a procedência ou não da acusação, e pretende encaminhar o caso a um colega seu - Brogan Moore (John Willians), em certo momento ele resolverá assumir a defesa do acusado. 
Com o teste do monóculo - de forma a forçar algum nervosismo e algum ato falho do suspeito - Wilfrid se convence da inocência de Leonard, comenta algumas táticas defensivas com Brogan Moore.
Quando o encontro está terminado, e Wilfrid dá os últimos conselhos a Brogan, especialmente em como tratar a esposa de Vole para que esta não tenha faniquitos - esta chega ao escritório. Christine Helm (ou Vole), vivida por Marlene Dietrich, já desprezando os conselhos de Wilfrid, pois ela declara não desmaiar para nunca perder a graciosidade ao cair, e que não que gosta de ver água jogada ao seu rosto, para não borrar a maquiagem.

Wilfrid reluta, mas em poucos minutos, ele já está no escritório acompanhando as perguntas de Brogan Moore a Christine, e dada a frieza desta no que toca às perguntas sobre seus sentimentos em relação a Leonard, o advogado acha perigoso usá-la como testemunha de defesa, e resolve, de uma vez por todas, assumir a defesa do caso, contra a recomendação de todos (médicos, assessores, enfermeira, etc.). 
A única prova da defesa, então será a palavra de Leonard em seu interrogatório perante o júri, pois existe o receio de que Christine ponha tudo a perder, embora o marido confie nela, pois este acredita que somente sua esposa poderia confirmar seu álibi - na hora da morte, Leonard já estaria em casa, e logo, impossibilitado de matar a vítima.
É relevante dizer que Leonard conhecera Christine durante a II Guerra, e esta era uma artista alemã, e logo após breve romance, eles casam e Leonard a traz para viver na Inglaterra, salvando-a da pobreza do pós-guerra na Alemanha - e sem saber que ela já era casada (era mesmo) com um alemão que ficou na Alemanha Oriental durante a guerra.
Começa então o julgamento, em que o advogado de defesa se sobressai, com objeções processuais brilhantes - e corretas tecnicamente. Iniciam-se as oitivas das testemunhas, entre elas o chefe da Scotland Yard, a empregada da morta, e, surpresa: Christine - e eis o título, como testemunha de acusação.
As primeiras testemunhas apresentam apenas indícios circunstanciais que Laughton consegue relativizar, diminuindo a importância de tais testemunhos, mas quanto a Christine...

Chamada à bancada, ela desmonta por completo o álibi de Leonard, confirmando os horários da acusação, colocando seu marido na cena do crime, embora o advogado vivido por Charles Laughton consiga ao menos criar dúvidas quanto à veracidade do testemunho de Christine, mostrando que ela já mentira diversas vezes: para o próprio Leonard, ao omitir ser casada anteriormente na Alemanha, possibilitando um novo casamento; às autoridades britânicas para casar de novo, embora agora bígama; à polícia, ao depor confirmando o álibi agora desmentido.
Interrogado, Leonard jura inocência, afirma que a tese da acusação não tem sentido, que sua esposa Christine mentiu deslavadamente, por alguma razão na sabida. É apresentada contra o réu a circunstância de ele ter sido visto em companhia de uma morena em uma agência de viagens, vendo os preços de cruzeiros de luxo, ao que Leonard  contra-argumenta ter sido uma mera brincadeira, por ter sido desprezado na loja, e por pirraça, ele apenas perguntara os preços das viagens mais caras. 
O resultado do julgamento (assistido pela enfermeira de Wilfrid - responsável por conter seus excessos pós-infarto e uma mulher que muito se comove com os lances do julgamento) é uma grande incógnita, embora a tendência seja de condenação, até porque houvera uma mudança no testamento da mulher assassinada, sendo Leonard o beneficiário de 80 mil libras da herança da morta. 
Então, na noite anterior ao da conclusão do julgamento, com as alegações finais de parte a parte, Wilfrid recebe uma ligação de uma completa desconhecida, que diz ter provas da má-conduta de Christine, e com ela se encontra na estação ferroviária. 
Ali, uma maltrapilha cockney revela segredos de Christine, principalmente uma série de cartas em que esta manteria contatos com seu novo amante, onde estariam plasmados seus planos de incriminar a Leonard, negando o álibi de seu marido, embora verdadeiro, para poder seguir sua vida com o novo amor. 
Parênteses: No site de Marlene Dietrich (http://www.marlenedietrich.org/noteWitness.htm), ela afirma ter vivido a aleijada cockney - um tipo de inglês de uma certa região de Londres, com dialetos e sotaques distintos do londrino típico), embora pareça difícil de acreditar, tamanha a dessemelhança entre tal personagem e a persona Marlene Dietrich.

Então, no último dia da sessão do júri, antes do encerramento, o advogado de Leonard chama ao banco das testemunhas, uma vez mais, Christine, e após esconder as cartas de que tem posse e que lhe foram entregues pela maltrapilha cockney sob seus livros de precedentes, começa a ler, em um papel branco, o que seria o conteúdo das cartas da alemã para seu amante. 
No ato, Christine repele veementemente que tais cartas lhe pertencem, até porque os papeis de carta que usam eram da cor azul e não da cor do papel que estava sendo lido, momento em que  estratagema do advogado vivido por Charles Laughton se mostra brilhante - ele exibe as cartas escondidas sob seus livros, todas da cor azul.
Com base nisto, Leonard é absolvido.

As cenas finais nos reservam a grande surpresa - se não quiser saber, não leia: Encerrado o julgamento e absolvido o acusado, Wilfrid permanece no plenário achando que há algo estranho, a história que levou à absolvição ficou muito perfeita, sem falha alguma, e isto não lhe cheira bem.
É quando Christine adentra no plenário vazio e revela toda a farsa, que tudo foi preparado, que ela era a cockney que entregou as cartas ao advogado (em um trabalho de atriz que era), possibilitando o descrédito completo de seu primeiro testemunho, o planejamento para que ela fosse ouvida como testemunha da acusação para dar mais veracidade quando a defesa aparecesse com as cartas, e depois novamente chamada à bancada, espantando o advogado com seu plano.
Nesse instante, Leonard, que saíra absolvido e livre do Tribunal do Júri volta, é abraçado por Christine pela brilhante farsa que ficara toda sob responsabilidade dela, confessa o crime, e festeja que  agora estava completamente livre, pela impossibilidade jurídica de alguém vir a ser julgado duas vezes pelo mesmo crime, uma vez absolvido. 
E então, mais uma reviravolta: a morena mencionada na visita à agência de turismo durante o interrogatório do acusado - que vimos ser aquela mesma mulher bastante emocionada durante o julgamento ao lado da enfermeira de Wilfrid - chega também ao plenário, quando Leonard se desvencilha do abraço de Christine e beija apaixonadamente sua nova amante, revelando-se mais uma farsa, da qual a vítima agora é sua esposa alemã, que realmente tudo fizera por amor a Leonard.
Christine então pega, da mesa de evidências, a faca utilizada por Leonard para assassinar Mrs. French (Norma Warden) e mata seu marido, com uma facada, sendo presa nesse mesmo instante, sob os gritos de pavor da amante de Leonard e o olhar incrédulo de Wilfrid

"What a remarkable woman", é o que pode sentenciar Wilfrid, desistindo definitivamente de sua aposentadoria, deixando o plenário disposto a fazer, doravante, a defesa de Christine, até mesmo sob a aprovação de a sua até então relutante enfermeira, que inclusive revela saber que na jarra de café do advogado este guardava um conhaque de boa qualidade.

Nota IMDB: 8.4. Um pouquinho menos, talvez; mas, sem dúvida, um filmaço. Diálogos incríveis, atuação soberba de Charles Laughton, um final surpreendente com um grande twist, mas cuja possibilidade já tinha sido mencionada brevemente - ou seja, sem furos absurdos e que irritam, e uma dubiedade muito interessante (por exemplo, o casamento anterior de Christine, com um alemão antes da guerra é uma possibilidade real, mas ao mesmo tempo, pode apenas ser mais um detalhezinho para dar veracidade ao esquema montado pela alemã para inocentar seu marido), que nos deixa sempre atentos e surpresos. Assista.

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