domingo, 18 de agosto de 2013

ISTO NÃO É UM FILME (2011), de JAFAR PANAHI - 17.08.2013

Jafar Panahi, cineasta iraniano, condenado a 6 anos de prisão e a 20 anos sem o direito de voltar a filmar por suas manifestações cinematográficas anteriores, fez esse não-filme, que conseguiu sair escondido do Irã em um pen drive, é na verdade um documentário de um dia, me parece, sobre o filme que não foi feito, e as inquietações do cineasta, e, talvez se possa dizer, sobre o Irã.
Jafar convida um amigo seu, que entenda algo dos aspectos técnicos do cinema, com a ideia de ler - ou demonstrar - o roteiro cuja filmagem foi proibida pelos representantes da Revolução Islâmica.
Então, eles discutem sobre o que fazer, ler o roteiro ou interpretá-lo, e resolve encenar o filme, explicando os planos, o roteiro. Ele interpreta a primeira cena em que Myrian - a protagonista - está aprisionada em sua própria casa, em uma cidade do interior do Irã, pois a aprovada a ir à Universidade, estudar artes, mas seus pais não aprovam. Como ela está presa em casa, não chegará a tempo de fazer sua matrícula.
Panahi explica então o primeiro plano do filme. Marca em um tapete, com fita adesiva, as locações - o quarto, a sala, a entrada da casa, a escada para o quarto, a janela - e explica o primeiro plano - com duração de 6,5 minutos, diz ele - a tomada com uma vista da janela do quarto de  Myrian, sob a ótica de visão desta - de  onde ela apenas vê uma viela deserta, em que há um observador jovem constante. Dali, vê sua avô chegar, sair, e ela sempre aprisionada. Ela atende ao telefone, e ninguém fala nada, ela quebra o telefone, deita, pensa, levanta-se, cogita suicídio.
Essa explicação-encenação de Panahi me lembra muito uma cena muito boa do filme "O Último Magnata", de Elia Kazan, com Robert de Niro como o tycoon do cinema Monroe Starr, em que de Niro explica a um escritor o que é cinema, dramatizando uma cena, explicando como deve ser roteirizada um filme para prender a atenção do expectador. 
De repente, no meio da encenação, Panahi tem uma crise pessoal, parece-me que sobre o próprio cinema, dizendo que se ele pode explicar um filme, sequer lógica haveria em filmá-lo. E ainda, filmando-o ou explicando-o, tudo não passa de uma encenação, de uma mentira, em última análise, e inclusive faz remissões a filmes seus anteriores, sobre o papel do diretor, as atuações de atores amadores, que "quebram" o papel do diretor, fazem o filme por si sós, falando de uma menina que era protagonista de seu filme e desiste de filmar, pois o que representa não é a verdade. Ele fica puto, e até pára (foda-se o fim do acento diferencial) com sua tarefa. 
Entremeando essa encenação, antes e depois igualmente, Jafar pensa sobre sua situação pessoal de "condenado" pelo regime à 6 anos de prisão, 20 anos sem filmar, sem dar entrevistas, sem escrever roteiros. Fala com sua advogada sobre o improvável sucesso de sua apelação, a necessidade de pressão sobre o Judiciário - através da comunidade do cinema internacional e nacional (embora considere esta impossível, dada a difícil situação em que os cineastas iranianos se encontram frente ao regime de Ahmadinejad).
Ele ainda encenará mais alguma coisa, acho que aqui é que fala sobre o possível suicídio da protagonista, adianta o que ainda acontecerá no filme, uma conversa com a avó que não poderá mais visitá-la, uma conversa com sua irmã, o amor platônico que Myrian nutrirá pelo garoto desconhecido que permanece na viela em frente à janela que até a faz pensar em desistir de estudar em razão do amor - e que afinal será um delator - sabe-se lá de quê, não está explicado no (não)filme.
Pode-se dizer que há uma analogia certa entre a situação de muitas pessoas e o regime iraniano, a prisão, a impossibilidade de se expressar livremente, a possibilidade de existir um delator em qualquer esquina.
Jafar evita falar qualquer coisa mais séria ao telefone, se assusta quando seu companheiro é parado em uma blitz, e a condição de haver uma câmera com ele já configura uma situação de perigo, fica preocupado pois sua esposa e filha estão fora de casa na noite de ano-novo (e até os fogos de artifício são proibidos, por serem uma expressão que não encontra respaldo nas leis islâmicas, não configurando uma  manifestação religiosa - mesmo assim, ainda que poucos, há fogos, uma pequena resistência), e não se sabe o que pode acontecer nas ruas.

Quando Jafar e seu câmera estão conversando, se filmando reciprocamente, e discutindo sobre a relevância das imagens como registro histórico - e que qualquer imagem pode ser importante no contexto em que se encontram - chega um jovem para retirar o lixo do apartamento de Panahi e o foco do filme muda drasticamente. Este jovem é - coincidentemente - um estudante de Artes, no mestrado, que tem vários bicos (taxista, recolhe o lixo para ajudar o irmão, entre outras ocupações menos qualificadas), mas que mesmo às vésperas de terminar seu mestrado, tem a quase certeza de que não achará emprego. 
Jafar passa a seguir o estudante, no elevador, conversando com ele, buscando conhecer sua situação (o jovem estava no prédio quando Jafar foi preso pela primeira vez), e andar após andar, vão conversando até chegarem ao térreo, e o jovem tem de levar o lixo para fora dos portões do condomínio, momento em que ele aconselha o cineasta a não deixar os limites do prédio, porque alguém pode vê-lo e delatá-lo. Dentro dos portões, sem poder sair dali, sobem os créditos. O filme é dedicado aos cineastas iranianos, e os agradecimentos não são revelados, exatamente para não comprometer ninguém de seus colegas cineastas.

Nota IMDB - 7,5. Não sei se é pra tanto, mas é um filme muito interessante sobre o próprio cinema, sobre as pressões políticas, sobre o regime iraniano, a censura. Dou um pouco menos, um 6, digamos.

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