domingo, 23 de dezembro de 2012

CIDADÃO KANE (1941), de ORSON WELLES - 15.12.2012

O filme tido como o maior ou um dos maiores filmes de todos os tempos (esse ano, na lista talvez a mais respeitada, foi ultrapassado por "Viagem a Tóquio, de Ozu) dirigido pelo então jovem Orson Welles, e narra a trajetória de Charles Foster Kane - vivido pelo prórpio diretor.
"Rosebud" - suspira Kane em seu leito de morte, e deixa um bibelô daquelas esferas com neve dentro cair no chão e se quebrar, no momento de sua morte. Começara a retrospectiva, à moda de um Brás Cubas.
Então, começamos a ver um documentário sobre a vida de Charles Foster Kane, que parece ser o próprio filme, mas, de uma forma metalinguística muito bem realizada, vê-se que realmente se trata um documentário a que os jornalistas/atores do filme principal estão assistindo. Todos concordam que o documentário está bom, mas que falta algo, e lembram-se da última palavra falada por Kane, em vida, exatamente o famoso Rosebud, e saem à busca (principalmente um repórter de quem nunca vemos o rosto), do que isso possa significar para dar um enfoque mais aprofundado da vida do magnata recém-falecido.
Através de entrevistas com pessoas que conviveram com Kane (sua ex-esposa Susan Alexander), seus companheiros de jornal - o tablóide Inquirer, e por meio de busca ao diários de seu tutor Walter Parks Tatcher - o banqueiro a quem foi confiada a educação de Kane, logo após a mãe deste (interpretada por Agnes Moorehead, mais conhecida como a Eudora do seriado dos anos 60 "A Feiticeira") descobrir-se dona de uma fortuna em uma mina desativada. Mostra-se, em retrospectiva (e sempre que inicia um depoimento a retrospectiva será usada como forma de mostrar a vida de Kane), o dia em que o banqueiro chega à casa da família Kane, no interior dos EUA, e enquanto Charles brinca na neve com seu trenó trata da educação de Kane, que ao final , é levado pelo tutor e afastado de sua família para receber uma educação adequada. 
Tanto o diário como os depoimentos que se sucedem vão mostrando a história de Kane em ordem cronológica (mas também circular, em que os episódios retrospectivos se fundem, se misturam, trazendo diversos pontos de vista sobre o mesmo episódio), desde a infância, depois o momento em que Charles chega à idade em que assume o domínio sobre sua fortuna e resolve, sendo o sexto homem mais rico da América (ou do mundo, não me recordo bem), e resolve dirigir o Inquirer - com a ajuda de Jedediah e de Mr. Bernstein (Everett Sloane), um jornal meio falido, achando que pode ser divertida tal função, e mais adiante, sua meia-idade e velhice.
A partir daí começa sua saga de empresário da mídia, tornando-se um homem muito importante nos Estados Unidos e no mundo - há montagens interessantes, como por exemplo ele ao lado de Hitler ou insinuando que Kane elegeu Roosevelt presidente dos EUA. Dá-se a entender que o Inquirer inventou o jornalismo popular, as manchetes chamativas.
Há a ascensão de Kane, a sua queda com o crash de 1929, o ressureição do empresário, seus problemas pessoais, o casamento com uma sobrinha do Presidente americano logo transformado em acessório para Kane, preocupado realmente é com o seu jornal; o seu caso com uma (má) cantora de ópera - Susan Alexander, a quem ele transformará em esposa - e para quem ele constroi um teatro, e mesmo após o fracasso insiste que ela prossiga na cantoria, pois a desistência dela seria um fracasso dele, e ele não aceita qualquer insucesso.  
Também estão no filme sua amizade com Jedediah e o respectivo rompimento, o exílio deste em Chicago, e a demissão após o início de uma crítica desvastadora contra a performance de Susan em sua estreia operística; sua relação conturbada com seu tutor Tatcher, que logo após extinta a tutela é alvo da ira jornalística de Kane; a construção de Xanadu - na Flórida - e o exílio que a mansão se tornou para Kane em seus últimos dias, e antes disso, para Susan, que acabaria por largar "Charlie"; a campanha política ao governo do Estado, fadada ao pleno sucesso mas abortada por Kane se recusar a fazer o jogo de seu adversário, ficando ao lado de sua amante e pouco se importando com a revelação do caso, arruinando seu casamento com a parente do Presidente

Tudo vai nesse vaivém frenético, num ritmo narrativo impressionante, com Kane megalomaníaco, mas malsucedido em seus amores, em algumas de suas amizades; os negócios e sua influência no mundo com seu auge e declínio, até o momento em que Kane morre, com seu famoso último suspiro - "Rosebud".

Então, finalmente, temos um inventário de tudo o que há na mansão Xanadu (em que há uma impressionante coleção de arte), para ver se ainda se descobre algo sobre Rosebud. O jornalista incumbido da missão de descobrir qual era o tal Rosebud (algo como botão de rosa) desiste da missão, e conclui que ainda que fosse descoberto o que era ou qual o significado daquela palavra, isso não daria conta de explicar a complexidade de Kane e sua vida. Talvez Rosebud fosse alguma coisa que ele teve e perdeu, talvez algo que quis mas nunca conseguiu obter; de qualquer forma, não haveria como, apenas com essa descoberta, entender Charles Foster Kane. O repórter e seus acompanhantes abandonam a mansão e a câmera corta para os empregados da mansão colocando coisas sem importância no fogo, e entre elas, um trenó de neve, de madeira, em que, consumido pelas chamas, pode-se ler, escrito: "Rosebud".  A interpretação que me ocorre (há quem faça de forma muito mais elaborada) é de que, não importa tudo que Kane fez, viveu, seus sucessos, sua fortuna, a importância daquilo que vivera na infância, junto a seus pais, no interior, na felicidade de brincar na neve, isso era sua mais vívida memória, seu ideal de felicidade.


O filme tem uma importância enorme na história do cinema, parece que criou o padrão fílmico para os filmes falados, e inovou decisivamente desde que o fime falado surgira,  mas eu não sei descrever muito bem tais avanços, até porque não entendo muito de cinema - como o próprio blog diz, sou um narrador, não um analista. Parece que Orson Welles (então com apenas 25 anos) inventou lentes especiais para esse filme, que possibilitaram filmar coisas de um jeito que até então inexistia - toda a cena ficava em foco, pouco importava a profundidade da cena, inovou na montagem. Os flashbacks, a utilização da perspectiva de vários personagens para contar umahistória a utilização de narração radiofônica; um filme - o documentário News on the march - dentro do filme; a utilização de posicionamento de câmeras inédito [o contra-plongée da conversa entre Jedediah Leland (Joseph Cotten) bêbado e Kane, dentro da sede do jornal], entre outras inovações. Há muito mais, mas há de se ler alguém que entenda mais do que eu para perceber a grandeza cinematográfica do filme. 
E agora, depois de acabar o texto, começo a perceber que realmente há muito mais coisa a analisar no filme, a descobrir nas suas tramas, de forma que preciso, qualquer hora, voltar novamente a Kane.
Nota IMDB - 8.5. É por aí mesmo. Se eu fosse bom entendedor, deveria merecer até mais.

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